Leitores inventivos

Retratos do leitor ausente – A questão da leitura e a leitura em questão.

[Prefácio de uma ausência]

A língua é a ‘moeda comum’ das civilizações e, ao mesmo tempo, o calcanhar de Aquiles da cultura de um país. Encobre tanto quanto revela, dissimula tanto quando transparece.

Assim são os livros e as leituras que fazemos deles, nossas ‘moedas comuns’ mais incomuns, os tangíveis mais intangíveis, os destinos mais incertos.

Toda pesquisa enfrenta dilemas e limitações nas suas descobertas ou ocultações, talvez pela tênue linha que separa “realidade’ e ‘imaginário’, ‘verdade’ e ‘conceito’, ‘representação’ e ‘visão’.

Não são como se diz as duas faces da mesma moeda, mas duas moedas que circulam no território das gentes e das mentes, uma falsa, outra verdadeira, uma que se diz “civilização’ e a outra, que atende pelo nome de ‘cultura’. Todo drama dessa acumulação primitiva de subjetividades e conhecimentos, faz driblar o “claro” entendimento (discernimento) de quando estamos diante da moeda falsa ou da verdadeira. Cultura e civilização, nos dias de hoje, são cartas embaralhadas.

Somente isso justificaria a distinção que este texto sugere e faz entre o Livro e o livro, a obra da leitura e a leitura da obra.

A obra da leitura corresponde ao poder acumulado de uma dada civilização consolidada e a leitura da obra a sua expressão cultural mais recente e desconcertante, dispare e plural. Esses poderes e saberes se expressam cada vez que elevamos ou rebaixamos os ‘indicadores de leitura’ ou do desenvolvimento social como medida-padrão do processo civilizatório ou do nível cultural. Nisto se insere outros conceitos ou noções como os de leitor e não-leitor, culto e inculto, civilizados e barbarizados.

Ao se buscar ou sugerir a estranha presença do leitor ausente – esse neoleitor que por vezes se disfarça de leitor e outras vezes de não-leitor – quer-se dar conta dos mapas imaginários de leitura e dos instrumentos de busca dos leitores comuns e, com isso, garimpar todos os que formam a nova geração de leitores, e que atuam por dentro e por fora dos atuais padrões civilizatórios e culturais.  

Dito isso, vamos ao esforço de explicação ou entendimento sobre o súbito desaparecimento dos leitores como indica a mais recente pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, do Instituto Pró-Livro/Ibope Inteligência, e apresentada em Seminário Nacional do Livro e da Leitura, dia 28 de março de 2012, em Brasília.

Ausentes nas primeira e segunda pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” e ausentes nesta terceira pesquisa do Instituto Pró-Livro, leitores e não leitores, somos parte dos 90% de alfabetizados ou letrados do Brasil, conforme o senso IBGE 2010, e os maiores interessados sobre os impactos dessa pesquisa em nossas vidas e no país, suas possíveis interpretações e usos.

Leitores ausentes/presentes nas pesquisas e, também, nas médias estatísticas dos livros lidos e não lidos, dos mais vendidos ou esgotados, sejam eles didáticos (‘estamos fora da escola’), sejam os religiosos (‘somos leigos ateus ou não religiosos), sejam, enfim, os leitores de ‘literatura em geral’, velhos e novos leitores e não-leitores, internautas ou públicos das novas leituras cinematográficas, televisivas ou digitais (‘somos neoleitores’), dispersos entre os mil lançamentos, edições, reproduções e cifras inimagináveis, onde até mesmo autores “medianos” transformam-se em best-sellers.

Na primeira ‘rodada’ que participei como leitor-ouvinte e sua imediata repercussão na mídia, destacou-se sobremaneira a queda dos milhões de leitores nos últimos anos. Esse fato serve de alerta sobre um tema que não pode ser deixado ao mercado, nem aos especialistas, nem aos porta-vozes midiáticos.

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Daí porque a decisão de conversarmos sobre a questão da Leitura e da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil no âmbito do Movimento Bom de Ler,  junto aos públicos leitores, educadores, pais, e, sobretudo, crianças e jovens. Com certeza, para além dos indicadores, das editoras, das feiras e dos pontos de venda e consumo de livros, o Movimento da Leitura é vivido na sua intensidade, seja como experiência do leitor diante da Obra, seja como consumidor de livros,  como aparecem nas médias dos indicadores apresentados.

Os resultados apresentados na pesquisa são reveladores em seus vários desafios e desdobramentos. Cuidemos, pois, para não deixarmos midiatizar o debate, “apontando” culpados ou desculpando responsáveis – a começar pelo próprio leitor/leitora, alfabetizados, letrados, universitários e pós-letrados.

À pesquisa – e os institutos envolvidos – não cabem no campo dos juízos; muito menos da opinião, ainda que seja dita dos especialistas. A pesquisa – sua relevância sociocultural – situa-se noutro lugar e hora, talvez, seja esse o tempo da leitura, e seu retrato, o do Leitor Ausente na Ausência do Livro.

Os institutos fizeram a sua parte. Cabe-nos agora, ao governo e a sociedade, a cada um de nós LEITORES ELEITORES DO BRASIL, darmos nossas próprias respostas ao seu súbito desaparecimento. Vamos ao texto.

*A pesquisa define Leitor aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Não-leitor é aquele que não leu, nenhum livro nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12.

 

ENSAIOS

Written by : José Paulo Teixeira

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Donec fringilla nunc eu turpis dignissim, at euismod sapien tincidunt.

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